sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

«CULTO» - A Poesia à solta - Episódio 1

"Culto" é um projeto audiovisual realizado pela MUSGO em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras. Este projeto cruza poetas e poemas com leitores, bailarinos e músicos, no Templo da Poesia, Parque dos Poetas, em Oeiras. 

O projeto, que integra a programação Oeiras 27 no âmbito da candidatura à Capital Europeia da Cultura, foi filmado no Parque dos Poetas e convidou 19 figuras destacadas da poesia, do teatro, da música, da dança e da performance a ocupar e a deixar-se cativar por este espaço, tanto de dia como de noite.

Esta é uma série de nove episódios semanais que propõe novos diálogos artísticos com a poesia de língua portuguesa em tempo de confinamento. Com direção artística de Paulo Campos dos Reis e realização de Ricardo Reis, a série será transmitida todas as sextas-feiras às 10h nas redes sociais. 

Informação retirada de https://www.comunidadeculturaearte.com/culto-a-serie-portuguesa-que-vai-dar-poesia-as-redes-sociais-e-rtp/

Veja o primeiro episódio, com a atriz Beatriz Batarda e a coreógrafa Vera Mantero:


Beatriz Batarda diz poemas de Natália Correia e Filipa Leal. Vera Mantero dança sobre material sonoro em torno de Natália Correia (criação original).

Deixamos aqui os poemas ditos, para que possa lê-los e relê-los:

«EUROPA», de Filipa Leal

Apontas para o rosto sarcástico do sol de Inverno  
e disparas. Há tantos meses que não chove – reparaste?
É o próprio céu a desistir de ti. E mesmo assim tu disparas, só sabes disparar.
Estás enganada, Europa. Envelheceste mal e perdeste a humildade.  
Não é contra o sarcasmo que disparas, não é contra o Inverno,
nem sequer contra o insólito, contra o desespero.  
Tu disparas contra a luz.  
Podes atirar-nos tudo à cara, Europa: bombas, palavras, relatórios de contas. Podes até atirar-nos à cara um deputado, uma cimeira.
Mas os teus filhos não querem gravatas. Os teus filhos 
querem paz.
Os teus filhos não querem que lhes dês a sopa. Os teus filhos querem trabalhar.  
Há tantos meses que não chove – reparaste?  
A terra está seca. Nem abraçados à terra conseguimos dormir.  
Enquanto te escrevo, tu continuas a fazer contas, Europa.  
Quem deve. Quem empresta. Quem paga.
Mas os teus filhos têm fome, têm sono. Os teus filhos têm medo do escuro.  
Os teus filhos precisam que lhes cantes uma canção, que os vás 
adormecer.
Eu acreditei em ti e tu roubaste-me o futuro e o dos meus irmãos.  
Se estamos calados, Europa, é apenas porque, contrários ao 
teu gesto,
nós não queremos disparar. 


in LEAL, Filipa - Vem à quinta-feira.1ª ed. Porto: Assírio & Alvim, 2016. 


«ENCONTRO», de Natália Correia

Como se um raio mordesse
Meu corpo pêro e rosado
E o namorado viesse
Ou em vez de namorado

Um novilho atravessasse
Meus flancos de seda branca
E o trajecto me deixasse
Uma açucena na anca

Como se eu apenas fosse
O efeito de um feitiço
Um astro me desse um couce
E eu não sofresse com isso

Como se eu já existisse
Antes do sol e da lua
E se a morte me despisse
Eu não me sentisse nua

Como se deus cá em baixo
Fosse um cigano moreno
Como se deus fosse macho
E as minhas coxas de feno

Como se alguém dos espaços
Me desse o nome de flor
Ou me deixasse nos braços
Este cordeiro de amor.

in Correia, Natália - Antologia Poética. Lisboa: D. Quixote, 2002, p. 112

Boas leituras!

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